15/12/08

Carta a um cão

O que posso eu escrever-te? A ti que foste o primeiro e o ultimo?
Tu que aparentavas um sorriso tão ingénuo mas que se revelou tão nefasto.
E sim tu, com os teus lábios castanhos que me cheiravam a canela mas que ao paladar foram tão tóxicos como heroína.
Antes de ti era um rei que todas as noites se sentava numa poltrona e do cimo da minha torre feita de sombras contemplava, com um sorriso de prazer, o horizonte mórbido. Com um sorriso sim, o meu mundo era mórbido mas eu gostava dele assim.
Tu, pelo contraio, não gostavas dele tanto como aparentavas, e mesmo sendo livre de abandona-lo, foste o sismo que me deixou soterrado sob os seus escombros. Senti-te como trepadeiras espinhosas entrelaçadas no meu coração, senti-te um frio insuportável que me congelou os brônquios, e senti-te um enxame negro a bloquear totalmente a luz ao meu mundo.
Destruíste-me o que era superficial, destruíste a minha capacidade de demonstrar afecto, destruíste a minha vontade de amar, destruíste a minha auto-estima e o mais irónico, destruiste tudo isso sem que assim o desejasses.
O superficial foi preenchido pelo frio metálico e foi assim que passei a ser totalmente automático.
Desejei que morresses,

que tivesses um acidente e uma merda qualquer se enterrasse no teu cérebro. É de facto um desejo vergonhoso, mas porque desapareceste depois de ter sido sincero contigo? Não pude falar, não pude descarregar a minha frustração, não pude explicar-me, não pude fazer nada a não ser continuar a sentir-me uma grande merda.
Cinco anos, cinco merda de anos, para que voltasse a conseguir dizer algo tão simples como “gosto de ti”, para que conseguisse estar no mesmo sitio que tu, para que conseguisse entregar-me a alguém, para que reconstruísse tudo o que destruíste… Para que conseguisse escrever-te isto.
Hoje tenho marcas no corpo que me relembram de ti mas agora compreendo que naquela altura sonhava demais, naquela altura embriagaste-me de ti.
Sei que não vais ler, mas ainda assim escrevo-te. Escrevo-te para me despedir, para dizer que finalmente apaguei o último vestígio de ti.

Adeus